
domingo, 24 de janeiro de 2010
quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
domingo, 17 de janeiro de 2010
António Nobre um poeta que nos dias de hoje seria considerado metaleiro
Ballada do Caixão
O meu vizinho é carpinteiro,
Algibebe de Dona Morte:
Ponteia e coze, o dia inteiro,
Fatos de pau de toda a sorte:
Mogno, debruados de velludo
Flandres gentil, pinho do Norte...
Ora eu que trago um sobretudo
Que já me vae a aborrecer,
Fui-me lá, hontem: (era Entrudo,
Havia immenso que fazer!...)
- Olá, bom homem! quero um fato,
Tem que me sirva? - Vamos ver...
Olhou, mexeu na caza toda...
- Eis aqui um e bem barato.
- Está na moda? - Está na moda.
(Gostei e nem quiz apreçal-o:
Muito justinho, pouca roda...)
- Quando posso mandar buscal-o?
- Ao por-do-sol. Vou dal-o a ferro:
(Poz-se o bom homem a aplainal-o...)
Ó meus amigos! salvo-erro,
Juro-o pela alma, pelo céu!
Nenhum de vós, ao meu enterro,
Irá mais dandy, olhae! do que eu!
António Nobre, in 'Só'
Ah Deixem-me Dormir!
O Poeta
Olá, bom velho! é aqui o Hotel da Cova,
Tens algum quarto ainda para alugar?
Simples que seja, basta-me uma alcova...
(Como eu estou molhado! é de chorar...)
O povo
O luar averte as orvalhadas sobre a rua!
Jezus! que lindo...
Vamos! depressa! Vem, faze-me a cama,
Que eu tenho somno, quero-me deitar!
Ó velha Morte, minha outra ama!
Para eu dormir, vem dar-me de mamar...
A Sra Julia
São as Janeiras da Lua!
O Coveiro
Os quartos, meu senhor, estão tomados
Mas se quizer na valla (que é de graça...)
Dormem, alli, somente os desgraçados:
Têm bom dormir... bom sitio... ninguem passa...
O Zé dos Lodos
A lua é a nossa vacca, ó Maria!
Mugindo...
Ainda lá, hontem, hospedei um moço
E não se queixa... E ha-de poupal-o a traça,
Porque esses hospedes só trazem osso,
E a carne em si, valha a verdade, é escassa.
O Dr. Delegado
A noite parece dia!
O Poeta
Escassa, sim! mas tenho ossada ainda,
Emquanto que a alma, ai de mim! nada tem...
Guia-me ao quarto... (a lua vae tão linda!)
Dize-me: quantos annos me dás? Cem?
O Sr. Abbade
E esta? Em vez de trazer a opa que é de logar
Trouxe a d'anjinho!
A Mulher do Moleiro
É o luar, Sr. Abbade, é o luar...
Oh cem! E os que eu não mostro e o peito guarda...
Os teus mortinhos, sim! dormem tão bem:
«Dormi, dormi! que vossa mãe não tarda,
Foi lavar á Fontinha de Belem...»
O Astronomo
Isto lunar assim! Isto é o verao
De S. Martinho!
O Coveiro
Aqui. Fica melhor do que em 1^a:
Colxão assim não acha em parte alguma!
Os outros são de chumbo, de madeira,
Mas este, veja bem, é sumauma...
O Cego do Cazal
Faz solzinho, que horas são?
Cantando:
«Colxão de raizes e de folhas, lizo,
Lençoes de terra brandos como espuma,
Dal-os-ei ao rol, no Dia de Juizo...»
Prompto. Quer mais alguma coiza? Fuma?
Carlota
Ó luar, anda mais devagarinho!
Deixa dormir o meu menino...
Coitadinho!
O Poeta
Mais nada. Boas-noites. Fecha a porta.
(Que linda noite! Os cravos vão a abrir...
Faz tanto frio)! Apaga a luz! (Que importa?
A roupa chega para me cobrir...)
A Mãe do Poeta
Aqui, espero-te, ha que tempo enorme!
Tens o logar quentinho...
Toma lá para ti, guarda. E ouve: na hora
Final, quando a Trombeta além se ouvir,
Tu não me venhas acordar, embora
Chamem... Ah! deixa-me dormir, dormir!
Deus
Dorme, dorme.
António Nobre, in 'Só'
O meu vizinho é carpinteiro,
Algibebe de Dona Morte:
Ponteia e coze, o dia inteiro,
Fatos de pau de toda a sorte:
Mogno, debruados de velludo
Flandres gentil, pinho do Norte...
Ora eu que trago um sobretudo
Que já me vae a aborrecer,
Fui-me lá, hontem: (era Entrudo,
Havia immenso que fazer!...)
- Olá, bom homem! quero um fato,
Tem que me sirva? - Vamos ver...
Olhou, mexeu na caza toda...
- Eis aqui um e bem barato.
- Está na moda? - Está na moda.
(Gostei e nem quiz apreçal-o:
Muito justinho, pouca roda...)
- Quando posso mandar buscal-o?
- Ao por-do-sol. Vou dal-o a ferro:
(Poz-se o bom homem a aplainal-o...)
Ó meus amigos! salvo-erro,
Juro-o pela alma, pelo céu!
Nenhum de vós, ao meu enterro,
Irá mais dandy, olhae! do que eu!
António Nobre, in 'Só'
Ah Deixem-me Dormir!
O Poeta
Olá, bom velho! é aqui o Hotel da Cova,
Tens algum quarto ainda para alugar?
Simples que seja, basta-me uma alcova...
(Como eu estou molhado! é de chorar...)
O povo
O luar averte as orvalhadas sobre a rua!
Jezus! que lindo...
Vamos! depressa! Vem, faze-me a cama,
Que eu tenho somno, quero-me deitar!
Ó velha Morte, minha outra ama!
Para eu dormir, vem dar-me de mamar...
A Sra Julia
São as Janeiras da Lua!
O Coveiro
Os quartos, meu senhor, estão tomados
Mas se quizer na valla (que é de graça...)
Dormem, alli, somente os desgraçados:
Têm bom dormir... bom sitio... ninguem passa...
O Zé dos Lodos
A lua é a nossa vacca, ó Maria!
Mugindo...
Ainda lá, hontem, hospedei um moço
E não se queixa... E ha-de poupal-o a traça,
Porque esses hospedes só trazem osso,
E a carne em si, valha a verdade, é escassa.
O Dr. Delegado
A noite parece dia!
O Poeta
Escassa, sim! mas tenho ossada ainda,
Emquanto que a alma, ai de mim! nada tem...
Guia-me ao quarto... (a lua vae tão linda!)
Dize-me: quantos annos me dás? Cem?
O Sr. Abbade
E esta? Em vez de trazer a opa que é de logar
Trouxe a d'anjinho!
A Mulher do Moleiro
É o luar, Sr. Abbade, é o luar...
Oh cem! E os que eu não mostro e o peito guarda...
Os teus mortinhos, sim! dormem tão bem:
«Dormi, dormi! que vossa mãe não tarda,
Foi lavar á Fontinha de Belem...»
O Astronomo
Isto lunar assim! Isto é o verao
De S. Martinho!
O Coveiro
Aqui. Fica melhor do que em 1^a:
Colxão assim não acha em parte alguma!
Os outros são de chumbo, de madeira,
Mas este, veja bem, é sumauma...
O Cego do Cazal
Faz solzinho, que horas são?
Cantando:
«Colxão de raizes e de folhas, lizo,
Lençoes de terra brandos como espuma,
Dal-os-ei ao rol, no Dia de Juizo...»
Prompto. Quer mais alguma coiza? Fuma?
Carlota
Ó luar, anda mais devagarinho!
Deixa dormir o meu menino...
Coitadinho!
O Poeta
Mais nada. Boas-noites. Fecha a porta.
(Que linda noite! Os cravos vão a abrir...
Faz tanto frio)! Apaga a luz! (Que importa?
A roupa chega para me cobrir...)
A Mãe do Poeta
Aqui, espero-te, ha que tempo enorme!
Tens o logar quentinho...
Toma lá para ti, guarda. E ouve: na hora
Final, quando a Trombeta além se ouvir,
Tu não me venhas acordar, embora
Chamem... Ah! deixa-me dormir, dormir!
Deus
Dorme, dorme.
António Nobre, in 'Só'
sábado, 16 de janeiro de 2010
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